UMA QUESTÃO POLÍTICA NO SÉCULO XIX EM REDOR DA CHIADEIRA DOS CARROS DE BOIS DENTRO DA VILLA DE FAFE


«Na Villa de Fafe por uma postura municipal era prohibido, que os carros entrassem as barreiras a chiar; mas o administrador Ferreira para lisongear os lavradores, de quem pertendia o voto para a eleição de deputados, prometteu-lhes a revogação da postura. Veio a camara actual e, em sessão de 28 de Janeiro, para cumprimento das promessas do snr. Ferreira, ordenou por seu alto saber e poder absoluto, que os carros chiassem á vontade dos carreteiros.

Ajunta de Parochia, e vários cidadãos respeitáveis de Fafe, representaram e requereram contra o louco arvbitrio da camara, que em vez de promover o engrandecimento da terra, e as commonidades que a todos resultam das boas medidas policiaes, vinha fazer recuar a civilização d’aquella villa até á infernal chiadeira dos carros. Subiu o negocio ao Governo Civil, que mandou informar o administrador Ferreira, e este, como era de esperar, sustentou a obra de que era auctor.

Na sua informação sobre a chiadeira dos carros, em data de 30 de Março ultimo, diz o snr. Ferreira coisas do arco da velha! Diz, que os carros da sua terra tem tanto direito para chiar como os sinos de Braga para badalar, e que os ouvidos delle snr. Ferreira tinham sido muitas vezes aturdidos pelos badalos da Sé Primaz, sem que por isso se tivesse queixado! Diz que os bois de Fafe não andam se o carro não chiar, e para prova de quanto valle a chiadeira cita o exemplo dos cavallos, que marcham cheios de ardor para os combates quando são animados pelo som do clarim: esqueceu-lhe citar os mouros de Jericó derrubados com o som d’uma trombeta; se se lenbra desta, ficava mais claro do que agoa, que os bois de Fafe são manhosos e só se mexem com a condição da chiadeira. Diz mais o snr. Ferreira, que a chiadeira dos carros da sua terra tem foito maravilhas: que fora a chiadeira que fizera apparecer um um tanque de agoa no meio da villa: que fora a chiadeira, que construira um cemitério grandioso: que finalmente só os carros a chiar podiam ter respeito, e não os carros mudos; e que se obrigassem os lavradores a fazer calar a engraçada e miraculosa musica do chedeiro seccariam as fontes, alluir-se-hia o cemitério, e ficaria aquella villa reduzida a ruínas e á esteriloidade!!

Para evitar tamanha catástrophe, concluía o snr. Ferreira, é preciso deixar chiar os carros.

Esta informação burlesca vinha acompanhada d’outra igual chiadeira da camara de Fafe, sustentando a necessidade de abolir a anterior postura, e concluindo do mesmo modo que o snr. Ferreira. Mas o Concelho de Districto, a quem o caso está sujeito, não pode deixar de deferir á justíssima pretenção da Junta de Parochia e mais cidadãos de Fafe, mandando que se cumpra a antiga postura, que prohibe a chiadeira dos carros dentro da villa; e que o ex-administrador Ferreira, e a sua camara chiadeira, entrem em curativo, vistas as provas de não gozarem lúcidas faculdades.

Quando se recorre a tão visíveis pretextos para sustentar uma qualquer medida, basta só isso para provar a inconveniência della. E’ tempo de acabar com os caprichos e vontades obsoletas do nós EL-Rei Justiça de Fafe. Esperamos do snr. Governador Civil, e Conselho de Districto, que será feita justiça aos habitantes de Fafe.»

 

In jornal “O Bracarense”, nº 309, 23 de Julho de 1858

Fonte:

https://www.csarmento.uminho.pt/site/s/hemeroteca-bpb/item-set/154938